sexta-feira, 20 de maio de 2011

Restringir o público para proteger o privado

Há vinte anos, estudar na USP era a única alternativa de educação superior para paulistanos sem recursos para bancar o ensino superior privado ou suportar uma mudança para as federais e estaduais do interior paulista e de outros estados. Era a época em que ENEM e cotas não existiam e o ingresso se fazia às custas de árduo estudo seguido do concorrido vestibular da FUVEST no qual, dependendo do curso escolhido, disputava-se com mais de outros 100 candidatos por vaga. Porém, egressos de escolas públicas tinham poucas chances de serem aprovados e grande parte das vagas do ensino público superior paulistano eram ocupadas por pré-pós-adolescentes brancos/orientais, com carro próprio, cara de quem sempre teve o que comer na mesa, roupas de grife e fluência em pelo menos mais um idioma além do português. Arquidiocesano, Dante Alighieri, Rio Branco, Augusto Laranja, eram os nomes de alguns dos currais de onde esse público surgia. Aos de escola pública, ou trabalhar para estudar, ou trabalhar e não estudar, ou prestar concurso público, ou ser catequizado para a prova da FUVEST através dos inúmeros cursinhos pré-vestibulares particulares que abundavam pela cidade. Nesses vinte anos, o acesso ao ensino superior foi melhorado e fazer graduação nas universidades públicas ou nas instituições privadas ficou muito mais fácil. A graduação popularizou-se mas ao mesmo tempo a qualidade do ensino de base decresceu e consequentemente a qualidade do aluno graduado é bastante inferior à do aluno pré-nova Lei de Diretrizes de Bases da Educação e das inovações nos sistemas de formação dos estudantes do nosso país. O que não mudou nesse tempo foi a condição de segurança do campus da USP Butantã. O espaço amplo que ele ocupa era de uma fazenda que na década de 1930 começou a acolher os vários institutos que estavam espalhados pela cidade. O lugar é uma ilha verde limitada pela Marginal Pinheiros, Av.Escola Politécnica, Av.Vital Brasil, Av.Corifeu de Azevedo Marques, 4 portarias de acesso de veículos, muitas portarias de acesso de pedestres. Cada instituto, cada faculdade, tem sua guarita/portaria mas alguns, como o Instituto de Química (IQ), foram gradeados e limitaram o acesso a professores, alunos e funcionários. Nos demais, o acesso público predomina, afinal a USP é um espaço público. Há muito tempo, o preço de toda essa "publicidade" tem sido a violência que se expressa em depredações, roubos, furtos e estupros. Nesta semana, os jornais estamparam mais uma história de violência na qual um aluno do curso noturno da Faculdade de Economia e Administração foi morto no estacionamento da faculdade com um tiro na cabeça. Não foi a primeira vez e infelizmente não será a última. Três dias de luto, alguns protestos e talvez após isso, mais alguns espaços sejam fechados e tenham o acesso controlado como o IQ. Estudar na USP, mesmo na era ENEM, cotas e ProUni, ainda é o sonho e a esperança de um ensino superior de qualidade de muita gente, mesmo que isso não seja de todo verdade. Entrar na USP ficou mais fácil, o difícil se tornou sair de lá, não no sentido de conclusão da graduação, o que é uma façanha também, mas no sentido de sobrevivência. Isolar fisicamente algo que é público é torná-lo restrito, é privatizá-lo. Mas em prol de quem tanto quiz fazer parte desse espaço, talvez essa seja a única maneira de preservar-lhes a vida e a integridade física.

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