quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Pro alto e avante
A expansão imobiliária na periferia de São Paulo é algo que impressiona e assusta. As casas antigas, de tijolões, com venezianas altas e telhas de barro, dão lugar a minúsculos sobrados conjugados e edifícios que brotam e desabrocham no que parece ser um segundo. O som dos equipamentos e o movimento dos trabalhadores se fundem em uma dança meticulosamente coreografada. São homens magros, com roupas sujas, jovens ainda mas com o rosto sulcado pelas venturas e desventuras de histórias que invariavelmente começaram bem longe daqui, que bailam com blocos de concreto, que desfilam com ferros e madeiras, que voam pendurados em cordas grossas que se prendem no alto de uma torre ou de correntes que descem de uma grua. Em um instante, voilá ... mais 300 apartamentos surgem, mais carros chegam para entupir as vias de circulação e a periferia vira centro expandido. Até as comunidades mais carentes que beiravam as marginais estão sumindo e virando edifícios baixinhos que ganham ares de alegria quando grafiteiros-artistas-engajados embelezam as fachadas com sua arte. Assim os bairros com cara de cidade de interior vão dando lugar ao "pogresso", as vizinhanças em que todos se conheciam viram condomínios em que pessoas habitam o mesmo espaço mas não interagem. As crianças se encontram no "play ground" porém não brincam nos balanços, sentam-se e se conversam pelos Ipads, Ipods e celulares que fazem de tudo inclusive ligações telefônicas. Mas aquela periferia de ruas de terra, com problemas de saneamento e iluminação, ainda existe e ainda sofre. A época das chuvas de final de tarde está chegando e esse concreto todo só piora o caminho das águas. As crianças superequipadas e os moçoilos em seus carros-monstro não aprenderam o que fazer com as embalagens da batata frita e as jogam no chão. Quando chegam as águas, do alto da torre onde antes bailava um migrante, a mocinha de cabelo chapado, embalando seu puddle branco de lacinho vermelho, ouve as notícias do caos da cidade imobilizada narradas por um repórter que com tom de indignação, grita, esbraveja e espuma impropérios com o descaso dos governantes para com a população. Nesse ínterim, ela, exalando seu perfume de um banho quente finalizado com Victoria´s Secret Strawberries & Champagne, vai tomando uma água com aroma de limão em garrafinha plástica colorida e gravação em relevo, e, em suas havaianas personalizadas, tenta olhar pela janela de onde só vê outras torres de pedra. Enquanto isso, na periferia, mais um barranco desliza, mais uma casa é soterrada, mais choro, mais vela e corpos novos e velhos vão fertilizando o chão no Cachoerinha, no Vila Formosa, em Perus e no Chora Menino. Mais uma família encolhida em vão tenta secar a água que insiste em cair dos olhos. Pro alto vão as torres mas do alto também vem a garoa que cresce, adolesce e adultece na chuva grande do fim do dia. Avante, avante, é o "pogresso" cobrando cachê.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Dor
A dor é uma reação de resposta a algum estímulo. Esse conceito pode ser aplicado tanto à dor física quanto à dor não-física. Sentir dor na carne ou nos ossos estraga o humor de qualquer um. Existem indíviduos que se acostumam com esse tipo de dor e acabam tolerando a situação de desconforto físico por muito tempo até que um dia descobrem que aquela pontada no encaixe do fêmur com a bacia era o sinal de que alguma intervenção maior tinha que ser feita. Se existe dor, alguma coisa não está bem. O estímulo doloroso deve ser identificado, receber um nome e ser tratado. Talvez o tratamento não resolva, talvez ele só reduza a intensidade ou ensine a conviver com a dor mas saber a origem é fundamental para se saber o que deve ser feito.
Começo e fim
A eternidade não tem começo e nem fim, mas o tempo tem. Tudo o que fizermos e vivermos no tempo será marcado por inícios e fins. Algumas coisas duram a vida toda, começam no nascimento e acabam na hora da morte, mas a marcação de começo e fim ainda está presente. Que esse tempo fatiado que desfrutamos por menos de 100 anos seja vivido com liberdade, tolerância, respeito, beleza, graça e paz.
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Los tangos de Gardel
Geralmente as letras dos tangos de Gardel falam de histórias tristes. Uma dor de cotovelo, uma saudade, a perda de dinheiro em uma corrida de cavalos. Mas como são lindos os tangos de Gardel ! Mi Buenos Aires querido, Caminito, Custa Abajo, Por una cabeza, Adiós muchachos, e por aí vai. Admiro artistas como ele que tiveram a sensibilidade de transformar a desgraça em beleza. Que outros e outras continuem por todo o sempre a ter essa capacidade transformadora/criadora que dá graça ao que não tem graça nenhuma.
Embalagens ambulantes
Nosso corpo é uma embalagem para conteúdos físicos e conteúdos muito além da matéria. Se o conteúdo físico é o que há em comum, o conteúdo não-físico é que deveria ser o diferencial entres os seres que se denominam "humanos". Mas ... como o acesso a esse recheio antimatéria depende de sentidos que vão além do visual, o valor de um ser que se chama "humano" acaba sendo mensurado pelo que é visto e assim nascem os padrões de beleza física que a cada geração encontram expressões e avaliações diversas. Que bom seria se o olhar para o corpo físico fosse desprovido de julgamento estético e o valor do ser humano estivesse além de cores, tamanhos e texturas. Que bom seria se o corpo fosse apenas um veículo de transporte para a antimatéria pensante e pulsante. Preconceitos raciais e físicos não teriam espaço e nem razão para existir. Mas ... outros preconceitos existiriam e talvez o antitexto desse texto seria um em que a necessidade de uma capa para esconder e enfeitar a antimatéria fosse a necessidade gritante para que os seres "humanos" conseguissem conviver em sociedade, cada um dentro de seu casulo pessoal, expondo somente gotículas desse ser interno. A exposição das entranhas do ser ... é um tipo de concepção não sustentável para a dimensão física do espaço-tempo em que os humanos estão mergulhados. Talvez não aqui, talvez não agora,talvez no não-espaço e no não-tempo.
domingo, 26 de dezembro de 2010
Fatiando o tempo
Mais um ano está terminando e vivemos a fase das retrospectivas. Se não todas, a maioria das mídias se ocupam em fazer retrospectivas. Geralmente são textos compartimentalizados, os personagens mudam mas os quesitos invariavelmente se repetem. Como somos previsíveis! Muita gente já falou sobre a marcação do tempo. Segundos, minutos, horas, dias, semanas, anos, décadas, século ... Drummond escreveu sobre as fatias anuais e a relação com o renovar da esperança. Pensar que tudo vai ser diferente, que tolice! As coisas só mudam quando realmente existe o empenho pessoal para a mudança ou quando algo inesperado acontece . Mudança de comportamentos, mudança de hábitos, são processos que se não forem bem conduzidos resultam em frustração. Se for para mudar, que mude sempre que for preciso e não só nas fatias de tempo.
Igualdade social: é possível?
Não consigo acreditar em igualdade social. Acredito em justiça social, mas não em igualdade. Penso assim pois entendo que a justiça está relacionada ao que é justo e justo é aquilo que cabe exatamente em uma determinada medida. Justo seria que todos tivessem o acesso à saúde segundo reza a nossa Carta Magna. Segundo a definição de saúde da Organização Mundial da Saúde, esse conceito vai muito, muito além da existência física de locais de atendimento, da disponibilidade de profissionais competentes para o diagnóstico e prestação de serviço e de medicamentos. A saúde envolve o bem estar do indivíduo e esse bem estar engloba moradia digna (ou seja, com o tamanho ideal para comportar o número de pessoas de forma confortável, além de ventilação, iluminação e saneamento básico adequados), alimentação (ou seja, comida suficiente para que a pessoa desenvolva todos os músculos e ossos que têm direito geneticamente e também todos os demais órgãos que a transformem em alguém que funcione fisiologicamente, psicologicamente e intelectualmente, nada de raquistimo ou de falta de glicose para fazer o metabolismo necessário!), emprego (ou seja, uma ocupação que gera recursos financeiros para que a pessoa tenha a independência de se sustentar sem a necessidade de depender de programas governamentais). Eu queria acreditar que a igualdade social é algo viável e possível mas eu só acredito na justiça porque acho que as diferenças intelectuais e comportamentais acabam criando classes que se difereciam e que algumas delas acabam tendo melhor desempenho e conseguindo resultados maiores do que o justo. Todos teriam o justo mas não seriam iguais. Será que esse pensamento é burguês demais?
sábado, 25 de dezembro de 2010
Vilarejo do tempo
O tempo passa, o vento sopra. O tempo não para nunca, pelo menos não aqui e não agora. Criamos coisas para guardar os momentos que vivemos com o passar do tempo. Textos, fotos, pinturas, esculturas, músicas ... e assim tentamos criar memória, construir história. Assim vivemos, assim somos e existimos. No vilarejo do tempo quero compartilhar parte do meu tempo sem tema fixo, apenas pensamentos e coisas criadas. Espero ter a alegria de abrigar outros que como eu querem pensar o momento, criar história, compartilhar do tempo.
Que o vento sopre, que o tempo passe, mas que a memória fique.
Que o vento sopre, que o tempo passe, mas que a memória fique.
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