terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CID X38, CODAR-12.3 e a democracia da tragédia

A classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde, ou CID, é uma codificação criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), utilizada para quantificar as causas de mortalidade e morbidade, e que no Brasil, também é usada para identificar nas guias dos planos de saúde as doenças que estão sendo tratadas e com isso ajudar essas empresas a fazerem as suas próprias estatísticas. No Brasil, os dados do CID vêm da rede SUS (pública e particular) e é possível consultar informações on-line desde Janeiro de 2008 ¹.
Estava curiosa quanto à mortalidade devido à causas externas, mais especificamente, devido à exposição às forças da natureza, mais especificamente, sobre vítimas de inundação, CID X38, mas fiquei decepcionada ao constatar que o sistema on line do governo é uma ferramenta extremamente eficiente para busca de dados porém a base de informações é falha e não cheguei ao refinamento de dados que eu queria.
Busquei dados da Defesa Civil e descobri que as enchentes são classificadas como "Desastres naturais relacionados com a geodinâmica externa" mais especificamente como "Desastres naturais relacionados com o incremento das precipitações hídricas e com as inundações" ou simplesmente CODAR-12.3, mas também não encontrei informações sobre o número de mortos devido às inundações. Então, procurei no Google o histórico de desastres naturais no Brasil e descobri que em 1967, a cidade de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, foi praticamente destruída por conta de chuvas intensas (em um dia choveu mais de 420 mm) e estima-se que os mortos foram em torno de 500; em 2008, em Santa Catarina foram cerca de 150 mortos; no Nordeste, em 2009, cerca de 20 mortos; no Rio, em 2010, cerca de 300 (Angra dos Reis, Ilha Grande, Niterói-Morro do Bumba e capital); em São Paulo, também em 2010, cerca de 80 mortos; até agora, nesse janeiro de 2011, na região serrana do Rio de Janeiro já são quase 700 mortos e em São Paulo cerca de 30.
Não busquei dados sobre desabrigados, mas com certeza os números são pornográficos.
Chove sempre, é o ciclo da natureza. Os rios transbordam, a terra encharca e quando existe um morro haverá deslizamentos. Ou respeita-se as chuvas e seus desdobramentos ou paga-se o preço pelo desrespeito.
Muitas vezes uma região invadida não é judicialmente desapropriada pois o argumento social da moradia acaba sendo mais forte do que o argumento do risco de vida. É absurdo, mas é o que acontece. Se houver a desapropriação, para onde irão essas pessoas? Contar os mortos e os desabrigados depois das tragédias que notoriamente irão acontecer parece ser o modo mais fácil de lidar-se com a situação.
Por isso, não sei até quanto o sistema de alarme de desastres que deveria ter sido instalado no Brasil há pelo menos 5 anos ou os piscinões prometidos nas campanhas do PSDB aqui em São Paulo mudariam a história desses números.
Dessa vez, a tragédia foi democrática e não foram somente os pobres os mortos mas muitas famílias abastadas que passavam férias em seus casarões na serra também morreram. Mas ... se os mortos fossem somente os pobres será que as ações teoricamente definitivas para resolver os problemas teriam sido encaminhadas ou será que completariam mais um ano sem movimento algum?
Enquanto isso, a soliedariedade vêm de todos os lados e são muitos, dentro e fora do Brasil, que enviam donativos para as vítimas da tragédia e que esperam com toda a sinceridade que a doação chegue a quem necessita e que alivie um pouco do seu sofrimento. Mas ... será que as doações chegarão aos necessitados ou serão moeda de troca de favores políticos?
As "águas de março" ainda estão longe demais e os números de mortos, órfãos, viuvos e desabrigados, aumentarão a cada dia.
Que o CID X38 de janeiro de 2012 seja corretamente compilado e mostre que o respeito à dignidade humana virou coisa séria em nosso país.

¹http://www.tabnet.datasus.gov.br/cgi/tab.cgiexe?sih/cnv/fruf.def

3 comentários:

  1. Quando só envolve pobre, as ações são pontuais e só enquanto a mídia mostra. Os moradores do Morro do Bumba e do Morro do Céu continuam morando em cima do lixo. Não houve a política habitacional prometida e, mais cedo ou mais tarde, infelizmente, teremos mais e más notícias da mesma gente. São apenas variações sobre o mesmo tema. Uma vidente disse que tinha previsto a catástrofe. Grande coisa; eu também já faço previsão sobre a do ano que vem. Só não tenho certeza se será em Angra, em Niterói ou na Região Serrana novamente. Seria eu um médium de nível elevado ou todos já podemos fazer as mesmas e tristes previsões? Sobram políticos; falta política.

    liberdade, beleza e Graça...

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  2. Talvez por causa dos grandes eventos internacionais programados para o RJ, pela pressão da ONU e pela oportunidade de as novas caras do poder mostrarem serviço em nível mundial, algo mais sério seja feito em termos habitacionais para as famílias de baixa renda aí do RJ, sinceramente espero que assim seja. Se os imóveis públicos que não são usados, fossem demolidos e prédios decentes fossem construídos para abrigar essas pessoas,acho que um pouco do problema poderia ser resolvido. Fala-se disso aqui em SPaulo e enquanto a teoria não vira prática, os prédios vazios do centro velho têm sido constantemente invadidos. Apesar da precariedade das condições, elas acabam sendo melhores que as de quem vivia em encosta de morro.

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  3. Eu conheço e admiro muito o MSTC - Movimento dos Sem Teto do Centro, de São Paulo. É uma luta muito bonita a deles. Conheci sua história atráves de um filme que assistimos na graduação em Ciências Sociais: "À margem do concreto". Muito bom mesmo. Não sei se farão algo pelo povo aqui. Na Copa da África alojaram os pobres longe dos eventos em casas de zinco improvisadas (um calor infernal) e os deixaram voltar depois. Foi coisa "pra inglês ver". Lamentável...

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