quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A nacionalidade de Picasso






Semestralmente, meus alunos são submetidos a uma prova para mensurar conhecimentos gerais e conhecimentos específicos através de questões de múltipla escolha e questões dissertativas.
Em uma dessas provas, na parte de múltipla escolha de conhecimentos gerais, foi perguntado qual era o motivo que levou à destruição da cidade de Guernica no quadro homônimo de Picasso. As alternativas eram:

a) Ataque das tropas nazistas durante a II Guerra Mundial.
b) Republicanos espanhóis apoiados pela União Soviética durante a Guerra Civil.
c) Forças do exército francês na I Guerra Mundial.
d) Tropas do governo espanhol para sufocar a revolta separatista basca.
e) Bombardeio da aviação alemã em apoio ao General Franco contra os republicanos.

Quando fiz a correção com uma de minhas turmas, uma aluna veio conversar comigo e me explicou que havia escolhido a alternativa (c) pois era a que lhe parecia fazer mais sentido devido à nacionalidade de Picasso. Não entendi a lógica de minha aluna e pedi para que ela me explicasse melhor como havia chegado àquela conclusão. Então fiquei sabendo que Picasso era francês (!). Pedi para que ela me dissesse de onde essa informação viera e aí a explicação foi : "A Renault é francesa. O Picasso é um carro da Renault. A Renault, que é francesa, fez um carro e deu a ele o nome de um cidadão francês. Logo, Picasso é francês!".
Não sei por que a Renault deu o nome de "Picasso" a um de seus carros mas Picasso não era cidadão francês.
Poderia apenas ter achado a situação engraçada mas fiquei refletindo e me pergunto até agora: o que é um conhecimento geral no contexto atual, nesse cenário globalizado e informatizado?
O volume de informação disponível é muitas vezes maior do que aquele que era divulgado nas enciclopédias como a Barsa que anualmente era atualizada com o "livro do ano".
Tenho a impressão que esse volume imenso de informação está criando grupos de interesses cada vez mais específicos e que os conceitos de "público", "global", "geral" ficam difíceis de definir. Já ouvi dizer que "público" é algo que foi publicado por alguma mídia, mas se essa mídia não chegou até mim então o público não é "global" e nem "geral". Como definir um conhecimento "global" ou "geral"? Quem define isso? O que é realmente relevante para todos os que têm acesso à formação escolar? Será que faz sentido para um brasileiro saber qual é a nacionalidade de Picasso e que "Guernica" retrata o bombardeio alemão à cidade de Guernica em apoio a Franco? Em todos os semestres, este é o questionamento que meus alunos me fazem sobre as questões de conhecimentos gerais.
Acredito que o conhecimento externo a um universo particular contribua para a criação de um arquivo pessoal de informações diversas que ampliarão a possibilidade de associações para resolver problemas do dia-a-dia. Um exemplo disso é o logo das olímpiadas do Rio. Na formação de um profissional de publicidade espera-se que façam parte a arte e a visualização de produtos de concorrentes. Sendo assim, é óbvio que o quadro " A dança" de Matisse² e que o logo da Telluride foundation³ podem ter servido como inspiração para a criação do logo (4).
Confesso que tenho dificuldade em responder ao questionamento dos meus alunos pois compartilho da dúvida mas continuo acreditando que o acesso ao conhecimento e não só a informação instantânea e pontual fazem muita diferença na qualidade do conteúdo que um cérebro pode armazenar.
A saber, a resposta correta é a (e) e Picasso, ou Pablo Diego José Francisco de Paula Nepomuceno María de los Remédios de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso, ou Pablo Picasso, nasceu em Málaga, na Espanha, e morreu em Mougins, na França.


¹ "Guernica" atualmente faz parte da coleção do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Atocha, Madri, Espanha, disponível em: http://www.museoreinasofia.es/
²"A dança" atualmente faz parte da coleção do Museu de Arte Moderna de Nova York, EUA, dispónível em:

2 comentários:

  1. A discussão acerca do que seria a "opinião pública" pode ser bastante enriquecida à luz das ideias de Patrick Champagne, quando este busca discutir tal conceito. Em geral, defende Champagne, o que vemos não é uma opinião pública, mas uma opinião "publicada", que é a vontade dos que têm mais recursos e dominam os meios de comunicação, tentando fazer com que acreditemos que a opinião particular desse grupo, com intenções políticas e de dominação, são, ou devem ser, também, a opinião universal.
    Quanto aos conhecimentos gerais, acho que servem para tornar uma pessoa mais interessante. Sem eles, acabaremos nos colocando em guetos, visto que só entenderemos de um assunto e, portanto, só poderemos ter troca com alguns que também entendem do assunto. Fica chato, pois nada como poder falar com uma engenheira que também entende de literatura e afins.
    Vivendo o mesmo drama com meus alunos, respondo à questão: "Afinal, para quê me servirá isso, professor?" com a tradicional: "Para pouco, talvez, mas sei que, para te ensinar a pensar, vai e já está servindo".

    liberdade, beleza e Graça...

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  2. Muito agradeço pela referência de P.Champagne! É claro que ele não fazia parte de minhas referências tecnicistas. Concordo com sua opinião sobre conhecimentos gerais, pessoas ficam mais interessantes e mais permeáveis quando abraçam o generalismo e se permitem conhecer realidades diferentes das suas. Pensar faz bem e o questionamento que surge pode levar ao trabalho da mudança pessoal. Sair do comodismo da "coisa pronta" incomoda e talvez daí venha o desconforto de meus alunos e mesmo o meu. É difícil perceber e aceitar isso. Mas, se for preciso, que mude, sempre. Grata pela reflexão.
    Abraços.

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